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Paralisação dos Caminhoneiros: o aumento do óleo diesel é apenas a ponta do iceberg

*Mauro Roberto Schlüter

 

Mais uma vez o país enfrenta uma paralisação dos caminhoneiros autônomos. Uma categoria profissional que não possui capacidade articulação suficiente para organização com tal magnitude de impacto realiza bloqueios em diversas rodovias e fornece a evidência do caráter de espontaneidade do movimento. As consequências começam a ser percebidas através do desabastecimento de bens em centros urbanos onde os bloqueios são mais intensos. De certo modo, o cenário que a categoria vivencia atualmente pouco difere do cenário que desencadeou paralisações anteriores e sugere a necessidade de melhor conhecimento acerca do funcionamento do sistema logístico de transportes do país.

 

O Brasil possui a sua matriz de transportes concentrada no modal rodoviário, que representa mais de 60% do total de cargas transportadas. Esta representatividade se deve em parte a boa versatilidade do transporte rodoviário (boa acessibilidade e disponibilidade de veículos), auxiliado pelo baixo investimento em infraestrutura nos demais modais e baixa competição entre os operadores de cada modal (manutenção de monopólios e oligopólios). Seria correto presumir que tal domínio poderia colocar as empresas de transporte rodoviário em relação de supremacia perante os demais modais, mas não é o que ocorre. O setor de transporte rodoviário de cargas é formado por mais de 170.000 empresas transportadoras e 857.000 autônomos, com um total geral de mais de 2.250.000 de veículos, segundo a ANTT. Além desses números, o setor ainda conta com pouquíssimas barreiras regulamentares de entrada de novas empresas e uma tecnologia de operação conhecida pela sua baixa exigência de conhecimento. O contexto induz elevada competição e baixa diferenciação dos serviços prestados pelas transportadoras e neste sentido, pratica-se a menor tarifa possível como forma de captação de serviços. Trata-se na prática de um mercado que tende a concorrência perfeita (competição plena com menor valor de tarifa).

 

O caminhoneiro autônomo é fornecedor de serviços de transporte, mas não oferece os seus serviços diretamente às indústrias e comércio, e sim às transportadoras organizadas. Estas por sua vez, contam com os caminhoneiros como uma “frota flutuante”, que pode ser utilizada como regulador do ajuste entre oferta e demanda por serviços de transporte. Se a quantidade de cargas for superior à frota da transportadora, contrata-se o caminhoneiro autônomo. Ocorre que a remuneração recebida pelo autônomo, conhecida como “frete carreteiro”, não é calculada com base na distância percorrida e tempo de viagem, mas sim pelas leis de mercado (oferta e demanda). Se existe uma quantidade de carga maior do que a oferta de veículos para o transporte, o valor do frete carreteiro aumenta e o inverso é verdadeiro.

 

A recente ausência de crescimento econômico repercutiu na demanda e por consequência nas cadeias produtivas que extraem e beneficiam as matérias primas, partes e conjuntos dos produtos de consumo final. Estão todos abastecidos e com baixa perspectiva de novas movimentações de produtos ao longo das empresas das cadeias produtivas, o que impacta diretamente no valor do frete carreteiro. Neste contexto, as despesas tornam-se mais significativas e comprometem a rentabilidade do serviço prestado pelos caminhoneiros autônomos. A prova do baixo valor pago pelo frete carreteiro pode ser constatada através da idade média da frota dos veículos simples e veículos tratores pertencentes aos caminhoneiros autônomos (que representam aproximadamente 625.000 veículos, ou 60% da frota dos caminhoneiros autônomos), que são de 24 anos e 18 anos respectivamente. Isto significa que o valor recebido pelo frete carreteiro não é suficiente para financiar a troca do veículo. Diante disso é possível concluir que o recente aumento do óleo diesel autorizado pelo governo, é tão somente a ponta conjuntural de um iceberg que possui uma parte estrutural submersa muito maior e mais complexa. A solução para este problema não é impossível, mas certamente será de difícil implementação em razão das forças que atuam sobre este cenário.

 

*Mauro Roberto Schlüter é professor de Logística da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.

Sobre o Mackenzie

A Universidade Presbiteriana Mackenzie está entre as 100 melhores instituições de ensino da América Latina, segunda a pesquisa QS Quacquarelli Symonds University Rankings, uma organização internacional de pesquisa educacional, que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação.

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