Paraíso
No paraíso, é assim que você se sente ao chegar numa pista de velocidade na terra, no caso da pista ela se chama Paraíso por estar no terreno do camping de mesmo nome, mas que não tira a razão de chamar de paraíso. Sim, para nós que amamos o esporte a motor, assistir uma corrida de velocidade na terra é ver como é o automobilismo de verdade, sem frescuras ou luxos desnecessários. O autódromo de Lontras é uma pista de 2800 m, como podem ver no vídeo abaixo, filmado de dentro de uma novíssima Fiat Toro movida a diesel, que era o pace car da prova. O mais bacana da filmagem é que o piloto mostrou como se anda rápido na pista, chegando em alguns pontos a passar de 100km/h com absoluta segurança, agora imaginem os carros de corrida, para quem acha que a corrida na terra é sem graça por ser “lenta” é melhor rever seus conceitos
A pista é bem interessante, após a largada sobe uma curva longa à direita, um paredão na verdade, com dois pontos de tangência e se vai para a parte de trás do circuito, invisível para a maioria do público, lá do alto a pista desce fortemente num zigue-zague que apelidei de saca rolhas, por ser muito parecido com o de Laguna Seca visto de baixo, mas lá de cima é que se percebe que a encrenca é bem maior, de dentro do carro é que se tem a real ideia do quanto é complicado virar esses três cotovelos antes de ganhar a reta oposta, subindo a “lomba” e chegando na curva final, um verdadeiro canyon entre os barrancos, que leva à reta de chegada.
Foram inscritos cerca de 50 carros, nem todos correram as duas baterias por causa de acidentes e problemas mecânicos, cabe ressaltar que os acidentes são comuns, mas não graves, eventualmente apenas danos materiais, mas no geral as corridas são bastante seguras, dada a natureza do piso escorregadio não é incomum uma desgarrada ou saída de pista, mas no máximo o que acontece é uma grande nuvem de poeira e a ovação do público. Falando em público, este comparece em grande número, estacionam seus carros ao longo da pista, nas áreas delimitadas e passam o dia todo assando seu churrasco e assistindo às provas, torcendo pelos pilotos, muitos naturais das cidades de onde vêm, aqui se assiste aquele fenômeno há muito esquecido do herói local que leva a torcida do bairro e da cidade até a pista onde vai correr, isso é muito bacana, e ainda por cima proporciona ao pequeno anunciante local estampar seu nome no carro e tornar a sua imagem mais conhecida.
Não poderíamos deixar de falar em custos, e nisso a velocidade na terra é imbatível. Ao contrário do asfalto, que exige pneus novos a cada corrida, muitas vezes o jogo de pneus dura a temporada inteira, e se o piloto for cuidadoso e não sofrer muitos acidentes, pode terminar a temporada sem ter que fazer grandes intervenções mecânicas no carro. A prova teve forte apoio dos patrocinadores locais, bom ver que o automobilismo goza de prestígio aqui em Santa Catarina, ao contrário do resto do país onde ele é ignorado.
Claro que para as equipes de ponta sempre o dinheiro fala mais alto, é normal ver equipes com dois motores fora do carro, peças e mecânicos, mas a velocidade na terra permite que um piloto no melhor estilo “eu sozinho” possa se aventurar sem ter grandes despesas e de quebra ter doses cavalares de emoção. Nesse ponto acho difícil outra categoria que permita isso, talvez os Track Days, mas mesmo assim, ainda acho que se gasta menos, com a vantagem que você pode esfolar o carro na pista sem pensar que vai ficar sem condução na segunda feira para ir ao trabalho. As categorias são parecidas com as que correm no asfalto, nessa etapa correram a Marcas, Novatos e Estreantes, Turismo Clássico Catarinense (a minha favorita), e Stock 5000 Omega e Opala, esta última a categoria rainha, que sempre fecha a programação como ponto alto, porque é de arrepiar ver os carros vindo de lado nas curvas destracionando e com aquele ronco lindo que só o seis canecos sabe fazer. A preparação dos carros segue um regulamento rígido, que está disponível no site da FAUESC: http://www.fauesc.org.br/campeonatos-terra-asfalto.php
O ambiente das corridas é bem tranquilo, com famílias passeando pelos boxes, que no caso de Lontras tem um mezzanino na parte superior que permite que os convidados das equipes fiquem acomodados assistindo a corrida, aliás, a organização dessa etapa foi muito boa, o Automóvel Clube de Lontras e o organizador da prova, Fabio Trisotto me receberam de braços abertos e ficaram muito empolgados com esse novo canal de comunicação que estamos abrindo agora com a coluna no site da VeloxTV, que espero, em breve possa até transmitir as corridas ao vivo pela internet, assim como fazemos com as categorias internacionais.
Das corridas, por não estar ainda familiarizado com os nomes, vou postar apenas fotos e filmes, mas posso garantir que não foram monótonas, aliás, nunca o são, a cada volta a pista muda sutilmente, de manhã, após uma noite em que caiu uma chuva leve, a pista estava escorregadia e compactada, no final da tarde com a pista seca e “dura”, os pneus esquentavam mais rápido, perdendo o grip, aliás, vocês vão perceber no vídeo que os pneus “cantam” nas curvas, como se fosse no asfalto. O acerto do carro para a pista de terra é diferente do asfalto, lógico, mas não tanto como se imagina, a suspensão tem que ser dura, mas não a ponto de não conseguir copiar as ondulações da pista, o segredo está na calibragem dos pneus, assim como no asfalto, ela faz toda a diferença, mas enquanto em um ele determina o ponto de aquecimento, se com o atrito o pneu vai aquecer mais ou menos rápido, e assim atingir ou passar do ponto ideal de grip, na terra além desse fator, a maciez do pneu com mais ou menos ar, vai determinar a capacidade de tração na terra. A diferença sutil entre agarrar no solo ou fragmentá-lo com excesso de tração ou destracionar por estar com o pneu com o apoio errado é uma ciência que só os mais experientes possuem.
Nos motores, apesar do regulamento, a potência não é o fundamental, ela é importante é claro, mas não adianta ter uma cavalagem estúpida se você não conseguir sair do lugar com os pneus patinando devido a uma curva de torque aguda demais em altos giros, o segredo é ter força suficiente para chegar nas rodas e transferir pro piso sem perder em patinagem. Observando os pilotos principalmente no alto dos cotovelos (o saca-rolha), percebia nitidamente que aqueles que destracionavam menos eram os que conseguiam andar mais rápido, na terra, é como dizem, sua embreagem são os pneus agarrando no solo, mas como a pista tem uma certa aderência, o que se via eram longas marcas de pneus patinando, mas às vezes era a única forma de sair rápido de uma curva para outra. A técnica de pilotagem varia de piloto para piloto, o grande barato da pista de terra é que existe um trilho, mas não uma trajetória única, dependendo dos buracos que se formam ao longo da corrida (são baterias de trinta minutos cada) o caminho mais rápido nem sempre passa pela tangente correta, a maioria dos pilotos segue uma tocada mais estilo asfalto, mas alguns tem alma de ralizeiro, e aparentemente mesmo perdendo algum tempo nas escorregadas o carro anda rápido, mas nem sempre funciona. O restante do Brasil precisa aprender com o pessoal daqui do Sul como se faz automobilismo de verdade, sem frescuras, quem gosta de corrida de carro corre em qualquer lugar, construir uma pista de velocidade na terra não é coisa de outro mundo, aqui em Santa Catarina já tem outra para inaugurar nesse semestre, em Brusque, no vale do Itajaí, será vizinha desta que visitei e de Ascurra, que daqui a duas semanas sediará a “copinha”, que espero poder mostrar para vocês.
Fiquem abaixo com mais algumas fotos e filmes da corrida, os resultados colocarei em breve na aba da Velocidade na Terra, na parte das competições.
Vista de parte dos Boxes Um dos Omegas da Stock 5000, detalhe do uso de um único carburador, ao contrário dos três que eram usados na Stock que corria no asfalto. Um Fusca da categoria Turismo Clássico Catarinense, virei fã, afinal sou fusqueiro, o regulamento exige a configuração original boxer, e esse estava bem brabo, no sábado não andou bem por conta de um entupimento em um dos carburadores, mas no domingo andou bonito, dando trabalho para os Gol quadrados que enchem o grid, aliás, nessa categoria também correm Chevettes. Os Golzinhos das categoria N e E e Marcas deram show na pista com brigas acirradas.
Os Opalas e Omegas na primeira volta da bateria de domingo descendo morro abaixo
Largada da categoria Marcas, que rendeu boas brigas
Mandou bem André. Fiquei feliz em saber que gostou.
Abraço.
Demais André, ótimo texto! Forte abraço.
PARABENS pela materia OS AMANTES DA VELOÇIDADE