Primórdios brasileiros: Irineu Meyer Corrêa da Silva e Manuel de Teffé Von Hoonholtz eram seus nomes.
Irineu nasceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, no dia 24 de janeiro de 1900, enquanto Teffé, nasceu no dia 30 de março de 1905, por acaso, em Paris. Seu pai, Sr.Oscar de Teffé morava em Petrópolis e era embaixador na França, enquanto o pai de Irineu, Sr. Mário Corrêa da Silva era casado com a Sra. Mathilde Meyer da Silva e tinha um comércio na cidade de Petrópolis. Portanto, ambas as famílias estavam estabelecidas em Petrópolis.
Irineu tinha sete irmãos e fascinado pelos carros da família petropolitana Guerra, fugiu clandestinamente, aos treze anos de idade, num navio para os Estados Unidos, na cidade de Trenton na Filadélfia. De aprendiz tornou-se mecânico trabalhando em Detroit nos anos 20.
Teffé partiu para a Europa facilitado pela nobreza de sua família. Seu bisavô germânico, Frederico Guilherme Von Hoonholtz, emigrou para o Brasil como instrutor da marinha. Já seu avô paterno – Antônio Luiz Von Honholtz (1837-1931)- foi senador, cientista, diplomata, literato, político e herói na Guerra do Paraguai, recebendo do imperador D.Pedro II, o título de Barão de Teffé, no dia 11 de junho de 1873, ao relatar o problema da fronteira Brasil x Peru, na longínqua região amazônica. A filha dele, a caricaturista Nair de Teffé –conhecida como Rian-, tia de Manuel, conheceu em Petrópolis e casou-se com o então Presidente da República, o viúvo Marechal Hermes da Fonseca. A primeira dama Nair introduziu a música popular nos saraus do palácio presidencial.
A paixão de Teffé pela velocidade começou quando seu pai lhe presenteou com uma motocicleta Terrot. Divertiu-se muito com ela pelas ruas de Petrópolis e mais tarde trocou-a por um carro Bugatti.
Foi para a Europa e lá aprendeu muito sobre mecânica ao estagiar na montadora de automóveis austríaca Graf-Stift. Fascinado, foi para a Itália visitar a montadora Alfa Romeo. Coincidentemente, naquele dia estava lá o ditador Benito Mussolini e com muita diplomacia, Teffé explicou-lhe o funcionamento do câmbio do carro em que Mussolini estava experimentando. O “duce” gostou e Teffé se apresentou como filho da autoridade responsável pelos negócios entre Brasil na Itália.
Já o aventureiro brasileiro Irineu, nessa época participava de diversas corridas na América do Norte.
No dia 06 de setembro de 1920, ele tornou-se o primeiro brasileiro a vencer uma corrida fora do Brasil. Foi a prova Chester Fair CT em Connecticut. Chester Fair é nome de uma feira agrícola realizada desde 1877. Foi em pista de madeira, comum nos EUA nos anos 20 e não era um grande evento, mas relatos de vitórias brasileiras no exterior anteriormente a esta data, não existem. Poucos anos depois, Irineu voltou a Petrópolis, casou-se com a senhora Zina Fayão, teve uma filha e paralelamente as corridas, ele tinha um comércio no Rio de Janeiro e era ótimo mecânico.
Na Europa, Teffé foi presenteado, pelo pai, com um Alfa Romeo Sport e, com esse carro, o sonho de estrear como piloto, correndo sempre pelo Brasil, ocorreu nos 300 Quilômetros da Copa Potenziani, em data desconhecida de 1924. Nessa época, o senhor Potenziani era a maior autoridade do automobilismo na Itália, muito próximo de Mussolini. Temos registrado que Teffé terminou a corrida em segundo lugar na sua categoria, mas…
A divulgação das participações e resultados para a imprensa do Brasil era feita pelo próprio piloto. Isto até hoje gera controvérsias, pois há dificuldades de achar os resultados oficiais de algumas corridas, na própria Europa. Dentre essas citações, Teffé conquistou o terceiro lugar na Subida de Montanha de Salita della Merluza e o quarto nas
24 Horas do Grande Prêmio Romano de Turismo, em datas também desconhecidas de 1924.
Já bastante familiarizado com as corridas italianas, Teffé venceu a Subida de Montanha em Roca di Papa – Roma, a Copa Gallenga (também conhecida como Coppa Tullio Leonardi) na sua categoria com um Alfa Romeo 6C 1500. Era o dia 02 de outubro de 1927. Podemos considerar esta como a primeira vitória de um brasileiro na Europa, pois a vitória de Teffé na Subida de Montanha de Monte Mario (Roma), no dia 13 de março do mesmo ano, em sua categoria, é contraditória. O que sabemos é que o piloto Alberto Trivellato com seu Bugatti T35, venceu essa prova na categoria geral. Sua vitória na Copa Potenziani com um Alfa Romeo 3.000 cc também é duvidosa.
O Automóvel Club do Brasil (ACB) foi fundado em 1907, entre outros, pelo conde papal Cândido Mendes de Almeida, então proprietário do “Jornal do Brasil”.
No Brasil, Irineu já era um dos principais pilotos das corridas e venceu o Circuito de Outono de Porto Alegre de 1927 e também uma subida de montanha na Estrada Rio-Petrópolis em 1927, com um Studebaker, mas não foi uma corrida “oficial”, por não ter sido organizada pelo ACB.
Os argentinos passaram a admirar o piloto Irineu Corrêa e convidado; lá ele correu o GP da Argentina (Morón-Rosário-Córdoba-Morón), prova de 1.500 km, entre 1927 e 1929. Seu melhor resultado foi um segundo lugar em 1928, em parceria com o mecânico Roy Smith, dos Estados Unidos, pilotando um vistoso Studebaker.
Em 1928, quatro provas são destacadas com participação de Teffé na Itália: a famosa Mil Milhas Italianas (Bréscia – Roma – Bréscia em 01 de abril), o GP Romano de Turismo (Tre Fontane – Roma em 17 de junho), a prova do Circuito de Rimini (Rimini – Emília Romagna em 19 de julho) e a Copa Gallenga no dia 21 de outubro. Novamente resultados de Teffé controversos, mas oficialmente, ele foi bicampeão da Copa Galenga, prova vencida na categoria geral pelo italiano Baconin Borzacchini (Maserati T26).
Como curiosidade, Teffé fez parceria nas Mil Milhas com a primeira mulher a participar desta corrida: a italiana Maria Antonietta D’Avanzzo. Seu Chrysler 72 categoria esporte não terminou a prova. Participante em corridas de longa duração, Irineu venceu a Subida de Montanha Rio-Petrópolis. E foi destaque na Maratona de Resistência (Rio de Janeiro-São Paulo).
Uma vitória convincente foi a de Teffé na prova Vermicino – Frascatti (em Roma no dia 29 de abril de 1931) com seu Alfa Romeo 6C 1750.
Já diplomata, Teffé voltou ao Brasil em 1932 e foi um dos idealizadores da Subida de Montanha Rio-Petrópolis. A partir deste ano o ACB passou a organizar as subidas de montanha nessa via. Nesse ano, Teffé convidou seu amigo Hans Von Stuck para participar da prova, no dia 28 de fevereiro. Este alemão, com seu Mercedes-Benz SSKL esporte, levou para a Europa a taça desta e a do Quilômetro Lançado como vencedor.
As corridas e vitórias de Teffé na Itália e o seu bom desempenho como diplomata o levaram a idealizar, juntamente com Irineu Corrêa e o presidente do Automóvel Club do Brasil, Sr. Carlos Guinle, o lendário Circuito da Gávea com seus 11.160 metros conhecidos como “Trampolim do Diabo”.
Assim idealizado, no dia 08 de outubro de 1933, depois de quase três horas e vinte minutos de prova, Teffé cruzou a linha de chegada como vencedor do I Grande Prêmio da Cidade do Rio de Janeiro. Foi uma vitória esmagadora, pois o segundo colocado, Primo Fioresi (Ford “Mossoró” 4) chegou quase treze minutos depois.
A vitória repercute na Europa e o ditador Mussolini envia-lhe um telegrama de felicitações.
Uma semana antes, no Quilômetro de Arrancada de Rio-Petrópolis, Teffé e seu Alfa Romeo 6C 1750 chegaram na segunda colocação. O piloto carioca Júlio de Moraes com seu Fiat S74 (conhecido como De Moraes) preparado e adaptado por ele mesmo foi o vencedor, batendo os 202 km/h de Stuck cravado ano anterior.
Em 1934, Irineu Corrêa juntamente com os engenheiros Henrique Cathiart e Silvio Barbosa Bentes, adaptaram um Ford V8 para competição. Todo esse esforço mútuo foi compensado com sua vitória no II GP da Cidade do Rio de Janeiro, no dia 03 de outubro, depois de largar em último.Emocionado com os aplausos do público no final, Irineu não se conteve e cantou o Hino Nacional.
Infelizmente Teffé e Chico Landi abandonaram a prova que teve o seu lado trágico marcado pelo acidente fatal do piloto ítalo-brasileiro Stefano “Nino” Crespi (após amputação das pernas) e de seu mecânico.
curta e proveitosa convivência de Teffé e Corrêa foi tragicamente interrompida em 1935.
Era o dia 02 de junho e na primeira volta, Teffé disputava a liderança do GP da Cidade do Rio de Janeiro com João Enrico. Naquele momento, Irineu perdeu o controle de seu Ford V8 1935 adaptado. Bateu numa árvore e caiu no canal da Visconde de Albuquerque, falecendo na hora…
O carro nº32 foi recuperado e usado por outros pilotos na mesma corrida no ano de 1936. O italiano Dante Palombo, mecânico de Arsenal de Guerra, o adquiriu numa rifa, consertou-o e morreu com ele treinando para o Circuito da Gávea de 1936, após bater num poste. Nesse mesmo ano, o corredor Moraes Sarmento providenciou o conserto e melhorias no carro e correu com ele na Gávea, sem incidentes. Contudo, Sarmento morreria em acidente em 1937 na corrida do Chapadão, em Campinas, SP, pilotando um Alfa Romeo.
Em 1938, na corrida nacional “Prêmio Comendador Sabbado DÁngelo”, o mesmo carro sofreu novo acidente com José Bernardo que bateu num barranco e foi hospitalizado. Ele sobreviveu, e correu com o veículo na Gávea e outros circuitos até 1941. Por causa destes macabros acontecimentos, o carro foi apelidado de “O Assassino”.
No dia 08 de agosto de 1935, Teffé foi prestigiado pelos argentinos ao terminar na sexta posição as 500 Milhas de Rafaela (em Santa Fé), pilotando um Alfa Romeo 8C 2300. O brasileiro chegou quase 23 minutos depois do polonês radicado na Argentina, Carlos Zatuszek (Mercedes Benz SSK) que completou a prova em 5h43’41”.
Já no dia 02 de fevereiro do ano seguinte, Teffé cravou a média de 119 km/h , com o mesmo Alfa Romeo, ao vencer o Quilômetro Lançado do Rio de Janeiro, na Avenida Epitácio Pessoa, Lagoa Rodrigo de Freitas em Ipanema. “Levou” também e a “Rampa de Petrópolis” (05/04) em 1’57”.
Não terminou o GP Termal, em Poços de Caldas (29/03) e marcou história ao quase vencer a corrida da Gávea (07/06) e chegar num injusto terceiro lugar.
No fatídico GP São Paulo daquele ano, ele conquistou outro terceiro lugar. Venceu uma das etapas do GP da Argentina (10/08), em Buenos Aires, classificando-se ao final em quarto lugar, 1’21”4 atrás do vencedor Carlos Arzani (Alfa Romeo 2900 A).
Bicampeão na Subida da Montanha Rio-Petrópolis (21/03/1937), Teffé conquistou um terceiro lugar em Santa Fé (02/05), vencida por Vittorio Coppoli (Alfa Romeo) e abandonou as 500 Milhas de Rafaela (08/08) vencida por Carlos Zatuszek (Mercedes Benz SSKL).
Convidado pelo Conde Giovanni Lurani, Teffé voltou para a Europa em 1938, para correr na escuderia Ambrosiana, ao lado de um dos maiores pilotos da época, o italiano Luigi Villoresi.
Em intensa programação, o GP de Trípoli (15/05), disputado em Melaha – Trípoli, na Líbia, foi vencido por Hermann Lang (Mercedes Benz W154), enquanto Teffé com o Maserati 6CM de sua nova escuderia foi quarto na sua categoria e vigésimo-quinto na geral.
Na famosa Targa Flório (22/05) entre Palermo e Sicília, o vencedor foi Giovanni Rocco (Maserati 6CM) e a escuderia Ambrosiana terminou em terceiro com Villoresi e sexto com Teffé sofrendo com o câmbio defeituoso.
Em Nápoles (26/06), – vencida por Aldo Marazza (Maserati 6CM), Villoresi foi segundo e Teffé nono.
No dia 21 de agosto, debaixo de um temporal, o brasileiro terminou na quinta posição no GP de Berna, em Bremgarten na Suíça. A prova foi vencida por Armand Hug (Maserati 6CM).
Teffé abandonou na mítica Monza (11/09). A prova foi vencida pelo outro Villoresi, o Emílio (Alfa Romeo 158).
Ainda na Itália, em Módena (18/09), classificou-se em quarto lugar. O vencedor foi Franco Cortese (Maserati 4CM)
Teffé gostou do Maserati e voltou ao Brasil no ano seguinte para conquistar o bicampeonato no circuito da Gávea (29/10).
Participou da prova inaugural de Interlagos (12/05/1940) com o Maserati que pertencera ao britânico Lord Francis Howe. A prova foi vencida por Nascimento Júnior (Alfa Romeo 8C35), enquanto Teffé não pode terminá-la.
Na Gávea (21/09/1941), Chico Landi (Alfa Romeo 2900 B) vence, enquanto Teffé finda na terceira posição.
Na prova de Santa Fé em Ceres, vencida por José Canziani (Alfa Romeo 8C35) novamente foi terceiro. Teffé ainda venceu a Subida da Tijuca.
Devido a Segunda Guerra Mundial, praticamente não se realizou corridas no Brasil entre 1943 e 1946.
Bolou-se a Semana do Gasogênio e no seu evento, Grande Prêmio Interventor Fernando Costa (12/05/1943), em Interlagos, Manuel de Teffé chegou em quarto atrás de Vasco Sameiro, Caseaux e Rubem Abrunhosa.
A partir daí, Teffé teve mais tempo para exercer suas atividades diplomáticas e correndo no Circuito da Quinta da Boa Vista (06/10/1946) teve um acidente que lhe deixou seqüelas no menisco do seu joelho esquerdo.
Além de diplomata, Teffé foi presidente da Comissão Esportiva do Automóvel Clube do Brasil entre 1946 e 1950.
Em 1950 venceu novamente a Subida de Petrópolis e em 1952 voltou a disputar a prova de Quinta da Boa Vista (GP Prefeito Dr. João Carlos Vidal em 07/02) onde o lendário Juan Manuel Fangio (Ferrari 166) venceu com Chico Landi e Nello Pagani completando o pódio, enquanto Teffé ficou com o sétimo e último lugar, pilotando um Alfa Romeo pertencente a Fangio. Segundo um repórter venenoso da antiga revista “O Cruzeiro”, “Teffé limitou-se a passear na pista com sua veloz Alfa”.
Nove meses depois (23/11), Teffé participou da ”III Carrera Pan-americana”, prova tradicional na época que cortava as cidades de Tuxtla Gutierrez e Juarez, na fronteira do México com os Estados Unidos, com mais de três mil quilômetros. Os vencedores foram Karl Kling/Hans Klenk (Mercedes Benz 300SL), enquanto a dupla Manuel de Teffé/Paul Fürst Metternich (Porsche 356 Sport) findou na oitava colocação e quinto na sua categoria, depois de 23h18’51”.
No dia 29 de setembro de 1956, Teffé participou de sua última corrida no exterior. Foi o Indian Summer Trophy Race em Harewood Acres, no Canadá. O vencedor foi Rolly Keith (Austin Healey) e o brasileiro não se classificou.
Sua última prova foi em Brasília, vencida pelo lendário Chico Landi. Teffé morreu em 01/01/1967, no Hospital dos Servidores, no Rio de Janeiro. Seu sepultamento foi em Petrópolis.
No final da década de 1990 uma irmã idosa de Irineu Corrêa morava em Niterói, RJ. Na mesma época, uma sobrinha-neta dele morava em Petrópolis, RJ. Corrêa foi enterrado em Petrópolis, no cemitério da cidade, situado perto da Praça Oswaldo Cruz. Do cortejo, participaram populares, autoridades municipais e dirigentes do ACB. Na frente, empurrado pelos presentes, ia o Ford adaptado 1934 no. 90, com o qual Corrêa vencera brilhantemente a Gávea de 1934.
Em contrapartida, soube que Manuel teve um filho nascido em Roma (Itália) no dia 21 de julho de 1929.
Foi batizado com o nome do avô, Antonio Luiz De Teffé von Hoonholtz e tornou-se ator de teatro e cinema.
Na Segunda Guerra, o jovem Antônio lutou contra o nazismo e sua paixão pelas artes surgiu a partir nos anos 50. Com o pseudônimo de Anthony Steffen, ele atuou ao lado de atores como, Giuliano Gemma e Clint Eastwood.
Atuou como assistente e produtor também e com quase setenta atuações no cinema brasileiro, americano, francês e italiano, Antônio morreu no Rio de Janeiro aos 75 anos de idade, deixando a esposa Cristina.
Provavelmente seu corpo deve estar em Petrópolis ao lado do avô, do pai e toda família Teffé e muito perto do também inesquecível Irineu Corrêa.
Fontes:
Livros:
Circuito da Gávea, Circuitos de Rua –ambos de Paulo Scali.
História do Automóvel – Paulo Schvinger.
História do Automobilismo Brasileiro – Reginaldo Leme.
Revistas:
A Fragata, Corsa, O Cruzeiro e National Auto Racing News.
Jornais:
O Globo, Jornal do Brasil e O Estado de São Paulo.
Colaboração:
Antônio Carlos Buarque de Lima.
Fotos das fontes citadas.
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