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Carta aberta aos haters de carros elétricos.

Por Edu Pincigher

 

Há algumas semanas que eu não arrumava encrenca. Vinha fazendo até textos comportadinhos, sem polêmicas. Mas convenhamos. O conhecimento emerge após o embate de opiniões divergentes, não? E geralmente em favor dos dois lados. Você não concorda? Antes de sair me xingando nos comentários… só leia até o fim. Xingue depois, se quiser.

 

Falar bem de carro elétrico em espaços editoriais que sejam frequentados por leitores apaixonados por carros, atualmente, é um pecado mortal. Eu sou fanático por carros. Fiz dessa paixão a minha profissão. Mas eu me permito também gostar de carros elétricos.

 

Suspeito que essa ojeriza criada contra os BEV´s (Battery Electric Vehicle, ou 100% elétricos) tenha nascido a partir da implicância proferida por novos formadores de opinião, ou influencers, visto que a esmagadora maioria dos consumidores nunca teve a oportunidade de guiar um único exemplar. Desde que as redes sociais deram voz ativa a esses personagens, irradiando a preferência pessoal dos autores, o mundo automotivo virou de rodas para o ar. Ter o microfone (ou o teclado) às mãos virou sinônimo de poder. E, por vezes, de lacração.

 

Jornalista é diferente

Note. Falei de formadores de opinião. Não de jornalistas. O segundo time, ao qual orgulhosamente pertenço, originalmente também forma opinião, porém não discrimina nenhuma categoria de carros. Eu posso até não gostar de A ou B. Mas, como jornalista, eu informo. Até opino. Mas não lacro.

 

Você já leu posts, ou viu vídeos de personagens que odeiam, simplesmente abominam, a ideia de ter energia elétrica como fonte de propulsão para automóveis. Há quem caia no erro de garantir que, em toda a cadeia energética de produção do veículo e extração da fonte de energia, o chamado “do berço ao túmulo”, o carro elétrico até polua mais.

 

Tenho visto alguns desses personagens de redes sociais com um empenho hercúleo para derrubar a atratividade dos veículos a bateria. No mundo da Comunicação, hoje em dia, opinião virou commodity. O sujeito quer aniquilar carro elétrico porque não gosta. E sai tagarelando a esmo.

 

Há também quem dissemine piadinhas pejorativas em direção aos donos de eletrificados de marcas chinesas. Como se não houvesse legitimidade na opção do consumidor. No primeiro trimestre desse ano, esse segmento ampliou as vendas em 33,2%, incluindo-se, aqui, sob licença poética, os híbridos. Os carros nacionais cresceram 3%. Não fossem competentes, as vendas não seriam tão expressivas.

 

Calma, cabe todo mundo

Mais de um século atrás, os Ford Modelo T tinham carroceria tipo “Torpedo”, e saíam pintados de preto (a partir de 1915) das linhas de montagem de Henry Ford a fim de baratear o preço final. Mas não levou tanto tempo para que algum gênio, que eu não sei quem foi, descobrisse que “podia ser que alguém gostasse de branco”.

 

Outros fabricantes perceberam que um carro não precisava ter só quatro portas e teto de lona. Podia ter duas. E não ter teto nenhum. E as carrocerias foram se tornando cada vez mais versáteis, coloridas e diferentes. As décadas seguintes comprovaram que carros continuariam sendo carros, fossem eles sedãs, cupês, fastbacks, stations, roadsters, conversíveis, minivans, picapes… até suves!

Qual o problema, então, de ter uma “alternativa energética” aos motores a combustão?

 

Elétricos jamais serão unanimidade

Veículos elétricos puros sempre terão um impeditivo natural de se tornarem únicos: a autonomia. Você pode encher as rodovias de carregadores ultra-rápidos, criar baterias sólidas ou aumentar a densidade energética dessas baterias para que, nominalmente, elas apresentem menos kWh e rendam mais quilômetros rodados. Ainda assim, as viagens longas continuarão sendo arriscadas. “O mesmo pode acontecer com carro a gasolina: você fica sem uma gota no meio da estrada e o carro para”. Verdade. Só que aí você pega uma carona até um posto, compra um recipiente de 5 litros de combustível, retorna ao carro, usa o funil e… problema resolvido. Energia elétrica engarrafada… ops, acho que não teremos tão cedo.

 

Na cidade é muito legal

Ao contrário de rodovias, entretanto, a experiência de rodar no dia a dia das cidades com um carro elétrico é excepcional. Sem brincadeira: a maioria dos críticos de BEVs nunca nem puseram as nádegas em um deles. E os formadores de opinião que puseram suas respectivas… se escondem atrás de afirmações que não param em pé sozinhas, como a falta de prazer ao dirigir.  Eles têm todo o direito de achar e defender essa ideia. Na minha modestíssima opinião, entretanto, o prazer ao dirigir não está unicamente conectado à potência.

 

Se for para considerar somente isso, OK, azar dos haters: o automóvel produzido em série à venda no Brasil com a maior potência é um… adivinhe? 100% elétrico. É o Taycan Turbo GT, que desenvolve até 1.108 cv de potência, com Launch Control e Attack Mode habilitados.

 

Minha concepção de prazer ao dirigir é a seguinte:

  • Eu tinha prazer ao dirigir o Corsa 1.0 EFI, em 1994, quando foi lançado. Ele era tão mais evoluído que os demais populares da época, que, sim, eu ficava empolgado frente à vantagem tecnológica. Mesmo tendo só 50 cv.
  • Eu tinha (ainda tenho) prazer ao dirigir a Kombi, não só por ser tão diferente, mas também por saber que estou conduzindo algo concebido quase 80 anos atrás que não foi superado até hoje: ela é a forma mais barata de transportar 1 tonelada de carga fechada.
  • Eu tinha prazer ao dirigir o Uno 1.5R, que, por acaso, era o esportivo nacional dos anos 80 menos potente. Mas seu câmbio tinha relações curtas e ele era leve. Logo o desempenho, primoroso.

 

O prazer ao dirigir é diferente

Além de o modelo 100% elétrico ser muito mais econômico no custo por km rodado, você ganha um carro totalmente silencioso, que não tem ruídos, trancos ou vibrações. E eu garanto: a tocada de um carro sob esses ângulos também proporciona enorme prazer ao dirigir. Experimente você mesmo. Trabalhar com os freios regenerativos para recarregar a bateria nas desacelerações exige uma condução técnica. É uma delícia. E eu nem vou mencionar o torque instantâneo na hora de acelerar.

 

Para quem possui pontos particulares de recarga, seja em casa ou no trabalho, e não dependa de carregadores públicos, o BEV é a melhor solução urbana. É uma alternativa que vale a pena ser experimentada. Mas essa é só mais uma alternativa. Os carros 100% elétricos não serão o caminho único para o futuro da mobilidade nos próximos anos. O receio de ficar parado no meio da estrada é uma razão que, por si só, já garante a continuidade por longos anos de modelos a combustão.

 

Discursos ecológicos à parte, temos ainda que lembrar que o Brasil é um país onde milhões de pessoas dependem economicamente da cadeia de transformação de cana de açúcar em álcool (não me acostumei com esse troço de etanol…) e temos todo o pré-sal para começar a extrair petróleo. Esses dois fatores já inviabilizam qualquer eletrificação maciça como matriz energética sob o ponto de vista macroeconômico. Motor a combustão, no Brasil, portanto, não é só opção. É vocação.

 

Se você é um sujeito que gosta de motor a gasolina, portanto, calma. Você continuará sendo “abastecido” com muitas opções de mercado no futuro.

 

Só não precisa ficar falando mal do amiguinho que optar por algo diferente de você. Respeitar o diferente é o grande barato desses tempos modernos. Combinado?

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