A polêmica do design retrô em motos e carros.
Por Edu Pincigher
Sempre fiquei encafifado com diferenças substanciais entre o consumidor de motocicletas e o de automóveis. Como sou assíduo cliente dos dois tipos de veículos desde sempre, e eu sou um só, a dúvida persiste: o cara que compra uma moto aceita, e de bom grado, modelos retrô, que reconhecidamente apresentam design inspirado no passado, enquanto o sujeito que compra carro não parece gostar muito desse tipo de proposta.
Eu mesmo poderia ser um exemplo.
Por que será?
Passei a pensar na forma como eu agiria. Motos retrô, bom, já tive várias. Carros? Na verdade, tive um só: um Chrysler PT Cruiser, mas era um carro designado quando trabalhei na Mercedes-Benz, que tinha a herança do período DaimlerChrysler. E não havia outra opção a ser escolhida à época. Mas carro retrô que eu tenha comprado com os meus próprios recursos… não, nenhum. Nunca tive.
Eu sou o exemplo típico, portanto, do que porquê que isso dá certo com motos e não com carros.
De cabeça, sem apelar para o Google, eu lembro de alguns exemplos que enfatizam a tese de que o mercado mundial não está nem aí para carros com design retrô. BMW Z8, Chrysler PT Cruiser, Plymouth Prowler, VW New Beetle, Fiat 500, Ford Bronco, e o que mais? Não há muitos outros exemplos, desconfio, porque quem produz automóveis já sabe que o consumidor não os aceitará muito bem. Nos exemplos citados só os dois últimos continuam sendo produzidos. E há de se considerar que a indústria automobilística é mundialmente muito maior em volume e no número de players. Era para ter muito mais exemplos, concorda?
Você pode até argumentar que o New Beetle teve lá um certo sucesso. Foi produzido entre 1997 e 2019 e se multiplicou em 1,7 milhão de unidades fabricadas nesse período. Tá bom, teve. Mas desde que você não se lembre do legendário e autêntico VW Sedan, o Fusquinha, com mais de 21 milhões de unidades. Mesmo que a gente aponte o New Beetle como um modelo de sucesso, ainda assim ele será a exceção que confirma a regra.
Nunca tive e nem vou ter um New Beetle. Mas tive, tenho e terei Fusca. O atual é um STD 1976 1300 Amarelo Imperial.
Já o mercado de motocicletas é completamente diferente. Não há uma ou outra opção de modelo retrô. Há várias. Muitas. E em qualquer marca, possivelmente todas. Se você pensar que a própria Harley-Davidson é uma sucessiva reedição de si mesma há várias décadas… a tese ganha corpo. Mas não é a única. A Royal Enfield, marca de origem britânica com atual sede na Índia, faz grande sucesso no Brasil atualmente com modelos de média cilindrada. E é praticamente toda composta de exemplares retrô.
A moto que, hoje, eu compraria, inclusive, e que venho namorando há algum tempo, chama-se Kawasaki Z900 RS. Motor de 4 cilindros, 948 cm3, 109 cv e visual da legendária Z1 dos anos 70. Custa um Renault Kwid zero km, mas eu chego lá. E é um dos principais exemplos de design retrô do atual mercado brasileiro.
E não é a única. BMW R12, Ducati Scrambler Icon, Royal Enfield Meteor, Continental e Interceptor, Kawasaki Z650, Triumph Bonneville, enfim, são inúmeros exemplos. Algumas delas possuem até coberturas metálicas que imitam velhos carburadores, sem contar a adoção quase que unânime de farol dianteiro redondo, selim reto e certo abuso de cromados. Tudo para ficar muito com o jeitão de anos 70.
Eu não sei, mas arrisco palpites
Não sou capaz de jurar o porquê, mas vou lançar alguns possíveis motivos. Antes de qualquer raciocínio é importante frisar que essa característica não é apenas das fabricantes de motos versus as fabricantes de carros. Você só produz o que o cliente está disposto a comprar. Então dá para dizer que a diferença substancial está no comprador de cada um desses veículos, como venho tratando esse tema desde o início do texto.
Essa característica do comprador de motos de ser mais receptivo ao visual retrô pode vir do fato de o investimento em uma motocicleta ser relativamente menor do que o que se faz em um carro. Outro motivo supostamente razoável é que o uso desses modelos geralmente está condicionado aos passeios de final de semana. A moto retrô não é o veículo de uso diário.
Não que eu concorde, atenção. Acho que dá para usar tranquilamente uma Continental ou uma Bonneville no dia a dia – já tive as duas e atesto que é bem possível. Mas este é, sim, o comportamento da grande maioria dos motociclistas que as adquirem. Por ser um veículo recreacional, portanto, eu topo algo mais exótico, diferente, que fuja do convencional? Aparentemente sim.
Faz sentido isso para você?