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Carros com IA ampliam a acessibilidade para PCDs nas ruas.

No Brasil, sair de casa a pé é um desafio de proporções nacionais. Embora 84% da população urbana viva em ruas com algum tipo de calçada, apenas 18% está em vias consideradas livres de obstáculos. Quando o critério é a presença de rampas de acesso para cadeirantes, o número cai ainda mais: só 15,2% das pessoas têm acesso a esse tipo de infraestrutura, segundo o IBGE. Na prática, isso significa que mais de 119 milhões de brasileiros continuam excluídos do direito básico de circular com segurança e autonomia.

As barreiras estão por toda parte, muitas vezes invisíveis para quem não depende da acessibilidade. Degraus sem padrão, calçadas estreitas, rachaduras, buracos, raízes expostas, postes e lixeiras mal posicionados, entulhos, placas e publicidade obstruindo a passagem. Situações comuns, mas que representam risco real para pessoas com deficiência, idosos e qualquer cidadão com mobilidade reduzida.

As consequências são diretas: aumento do isolamento social, risco de acidentes, restrição de acesso ao trabalho, educação e serviços básicos. E apesar de o problema ser antigo, a correção segue em ritmo lento. Projeções indicam que o país levaria mais de 70 anos para cumprir integralmente os requisitos de acessibilidade previstos na legislação, como a Lei nº 10.098/2000 e a norma ABNT NBR 9050, que estabelecem parâmetros como largura mínima da faixa livre, ausência de desníveis e uso de piso tátil e antiderrapante.

Esse gargalo se conecta a um problema ainda maior: a escassez de dados atualizados sobre as condições reais da infraestrutura urbana. Em muitas cidades, a gestão da zeladoria ainda depende de reclamações pontuais feitas por moradores ou de inspeções manuais com frequência limitada. Mas esse cenário começa a mudar. Prefeituras em diferentes regiões do país já têm buscado alternativas mais eficazes, adotando tecnologias baseadas em dados para transformar a forma como monitoram o espaço urbano. Soluções com inteligência artificial e visão computacional vêm sendo incorporadas para mapear irregularidades de maneira contínua e em tempo real, oferecendo um caminho mais ágil e preciso para enfrentar os desafios da mobilidade com mais eficiência e inclusão.

Inteligência artificial a favor da população

Uma dessas iniciativas é da startup brasileira Mapzer, que desenvolveu uma tecnologia capaz de identificar até 32 tipos de ocorrências urbanas por meio de veículos equipados com câmeras, sensores e IA. Segundo a empresa, a solução já percorreu mais de 200 municípios desde que entrou em operação, impactando a gestão pública de zeladoria em diferentes regiões do país e beneficiando mais de 5 milhões de pessoas. “A acessibilidade precisa deixar de ser vista como adaptação e passar a ser tratada como infraestrutura básica. Isso só é possível quando se tem dados reais e atualizados sobre onde estão os gargalos urbanos e como eles impactam a rotina das pessoas”, afirma Pierre Damasio, gerente comercial da Mapzer.

A vantagem da tecnologia, segundo Damasio, está na possibilidade de entregar diagnósticos completos e contínuos, com 100% de cobertura do perímetro urbano, o que permite às prefeituras atuarem de forma preventiva e mais estratégica. “Hoje, boa parte da gestão da zeladoria ainda depende de denúncias de moradores. Mas isso gera respostas pontuais e pouco eficazes. A tecnologia pode inverter essa lógica, permitindo que o poder público antecipe problemas, priorize investimentos e leve acessibilidade a quem mais precisa”, completa.

Em 2024, a Mapzer identificou 32.658 mil pontos críticos relacionados à acessibilidade em calçadas. Os dados, segundo a empresa, geram dashboards georreferenciados que têm sido utilizados por gestões públicas para embasar planos de mobilidade urbana, licitações de obras e decisões sobre onde intervir primeiro. Essa abordagem também favorece a redução de custos: identificar um ponto crítico antes do agravamento evita intervenções emergenciais mais caras, além de prevenir acidentes e ampliar o alcance dos serviços urbanos.

A expectativa é que soluções como essa ganhem escala nos próximos anos, especialmente diante de dois fatores emergentes: o envelhecimento da população brasileira, que até 2030 será composta por mais idosos do que crianças, e a intensificação dos eventos climáticos extremos, que exigem cidades mais resilientes e adaptadas à diversidade de seus habitantes.

“Garantir calçadas seguras e acessíveis não é apenas uma questão de inclusão. É também um fator de saúde pública, segurança viária e resiliência urbana. A ausência de uma visão sistêmica faz com que a acessibilidade continue sendo vista como um gasto, quando deveria ser entendida como investimento em cidadania e eficiência. Porque quando a calçada é inacessível, a cidade também é. Precisamos mudar o modelo de gestão urbana para incluir quem sempre foi deixado para trás, e isso começa pelo básico: garantir que todos consigam andar na rua com segurança. E isso é possível com tecnologia e vontade política”, finaliza Damasio.

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