24h de Le Mans – A história inacabada da Nissan na prova.
Há alguns anos a Nissan retornou a Le Mans, com um projeto assumidamente para vencer a clássica prova de 24 horas. Voltemos alguns anos atrás, para perceber como começou a sua odisseia. Uma odisseia com escassos motivos para sorrir, mas que pelos vistos ainda não esta terminada.
Antes de falarmos da sua história, estivemos em Le Sarthe em 2015 para a cobertura das 24 Horas de Le Mans e vimos de perto o belíssimo NISMO. Uma pena o equipamento não ter aguentado a prova vencida pela Porsche naquela edição.
A Nissan entrou nas 24 Horas de Le Mans pela primeira vez em 1986. Nesse ano, a marca era o terceiro maior fabricante de automóveis do mundo e viu na mítica prova francesa a melhor forma de provar a confiabilidade e capacidade da sua tecnologia. Além disso, se tornou na primeira montadora japonesa a arriscar neste desafio. Portanto, os homens da Nissan chegaram a La Sarthe cheios de expectativas, com dois carros inscritos na categoria principal, a C1. Um deles, era o chassis R85V que, em 1985, teve a ousadia de vencer uma jornada do campeonato do Mundo de Sports Car, algo até então nunca visto e quase impensável, uma marca do Sol nascente desafiando e batendo as ocidentalissimas Porsche, Jaguar, Lancia, Lola, Spice ou Sauber: foi em Fuji, palco da nona e penúltima jornada do campeonato; pilotado por Kazuyoshi Hoshino, Akira Hagiwara e Keiji Matsumoto, o chassis dava pelo nome de March 85G, a casa que o tinha desenvolvido, estava inscrito pela privada Hoshino Racing e tinha um motor Nissan 3.0 L Turbo V6. Em Le Mans, este carro terminou em 16º lugar. O outro era um mais moderno chassis R86V, cujo motor V6 se dizia ter mais de 1.000 cv – mas não chegou ao fim.
Nos anos seguintes, os esforços da Nissan foram sendo parcamente recompensados. Em 1987, a Nissan insistiu, com um chassis também desenvolvido pela March, mas equipado com um motor 3.0 V8 – ambos os carros, entregues a dois trios de pilotos japoneses, ficaram cedo pelo caminho. A sorte não melhorou nos dois anos que se seguiram: dois carros em 1988, ainda assinados pela March – e somente uma chegada ao pódio final, o compartilhado por um trio de veteranos pilotos britânicos. O Nissan ‘japonês’ durou pouco mais de dois terços da prova. Para 1989, a Nissan mudou de fornecedor de chassis, optando pelos feitos na Lola. Equipados com um poderoso motor 3.5 V8, tinham uma velocidade de ponta notável, passando dos 380 km/h – e foi tudo, pois todos eles acusaram muitos problemas de confiabilidade para conseguirem atingir o final da prova. Mesmo assim, um deles ainda incomodou, durante algum tempo, os homens da frente…
Então, a sorte começou a mudar. Em 1990, a Nissan se apresentou em Le Mans com sete chassis, cinco dos quais eram de fábrica. Pela primeira vez, um carro japonês conquistou a ‘pole position’: Mark Blundell, então com 24 anos e que ainda não tinha ido para a F1 (nesse ano, trocara a F3000 pelos Sport Protótipos; em 1991, tornou-se piloto da Brabham) fez a melhor volta em 3m27,02s, seis segundos mais rápido que qualquer outro piloto (e carro…). Mas, na corrida, foi o segundo Nissan abandonando, deixando outro tipo de louros para Kazuyoshi Hoshino que, quase com 43 anos, se tornou no primeiro piloto japonês, num carro japonês, a liderar as 24 Horas de Le Mans. Eventualmente, não aguentou o ritmo, mas chegou ao fim em 5º – a melhor classificação da marca na prova de um carro japonês e de uma equipe totalmente composta por pilotos japoneses.
Retorno em outras vestes
Após três anos de paragem, a Nissan voltou em 1994. Então, as regras eram outras, os C1 tinham dado lugar aos GT1 e LMP1. Mas, nesse ano, a Nissan, através da sua filial norte-americana, acabou não se inscrevendo em nenhum destas categorias, mas sim na IMSA/GTP, que dava cartas do outro lado do Atlântico. Para tal, trouxe os dois 300 ZX Turbo que tinham ganho as 24 Horas de Daytona e 12 Horas de Sebring. E o mais rápido (e único confiável, pois o outro abandonou logo no início da corrida) dos dois chegou a rodar em 4º lugar, acabando a prova em 5º – e vencendo a categoria IMSA/GTP, na que viria a ser a única vitória da Nissan em Le Mans. Até agora?
Em 1995 e 1996, a Nissan foi representada pela NISMO – nessa altura, uma equipe cliente. Com o Skyline GT-R LM (o antecessor do GT-R NISMO), inscrito na categoria GT1, o melhor que a marca japonesa conseguiu nessa altura foi um 10º lugar no primeiro ano.
Depois, em 1997, as coisas mudaram um pouco. Abandonando a postura mais tradicional e menos onerosa, a Nissan abordou a prova com três GT1 com um motor V8 biturbo instalado num monocoque em carbono, que eram potencialmente vencedores, perante adversários como os McLaren F1 GTR ou Porsche 911 GT1, na sua classe, ou os TWR Porsche WSC-95 e Courage C41, na classe superior, os LMP. Infelizmente, nenhum dos R390 se mostrou de facto competitivo e o único que viu a bandeira de xadrez fê-lo em 12º lugar.
O ano seguinte, 1998, foi o melhor ano da Nissan em Le Mans. Com três novos R391 à partida, ainda e sempre equipados com o motor 3.5 V8 biturbo, num ano em que os GT1 dominaram a prova (os Porsche LMP1-98 oficiais desistiram cedo e o melhor LMP1 acabou por ser um Ferrari 333 SP, da Doyle-Risi Racing, em 8º lugar), pela primeira vez a Nissan fez o pleno: os seus três carros chegaram todos ao fim. E um deles subiu ao pódio, no terceiro lugar ; a primeira vez que isso aconteceu, na geral, em Le Mans. Os outros dois acabaram em 5º e 6º. Um sucesso…
Que não teve continuidade. Em 1999, a Nissan correu um risco: optar por carros de ‘cockpit’ aberto, fabricados fora. Um deles, era um chassis Courage. E ambos tinham um novo motor 5.0 V8, normalmente aspirado. Não resultou: ambos desistiram mas, mesmo assim, um deles estava a rodar em 4º quando isso aconteceu.
Este foi o último ano da Nissan como equipe, em Le Mans. O nome apenas voltou a ser visto, oficialmente, em 2011, mas então apenas como fornecedor de motores.
Os motores da Nissan
Há quatro temporadas, a Nissan regressou oficialmente à atividade nas corridas de endurance, mas apenas enquanto fornecedor de motores. Na verdade, esta nova vida da Nissan foi menos convencional, pois que foi gerida pelo departamento de Marketing, embora com um grande suporte da Nissan a partir do Japão. Mas, desde o início, conheceu os foguetes do sucesso.
Em 2011, a Nissan equipou três carros, na categoria LMP2 e um deles, o Zytek Z11-SN de Karim Ojjeh, Tom Kimber-Smith e Olivier Lombard, da equipe Greaves Motorsport, venceu mesmo a categoria. O motor era da família VK45DE, um 4.5 L V8 e desde o início mostrou-se rápido, confiável e de fácil manutenção. Mais tarde, a maioria dos chassis da Oreca – e os motores Nissan ocuparam as primeiras posições da LMP2, até que a Nissan foi substituída pela Gibson como fornecedor oficial de motores.
HISTÓRICO DA NISSAN EM LE MANS
1986 (C1)
Carro nº 23 (Nissan Motorsport/Kazuyoshi Hoshino/Keiji Matsumoto/Aguri Suzuzki/Nissan R86V) – abandono
Carro nº 32 (Nissan Motorsport/James Weaver/Masahiro Hasemi/Takao Wada/Nissan R85V) – 16º
1987 (C1)
Carro nº 23 (Nissan Motorsport/Kazuyoshi Hoshino/Kenji Takahashi/Kaiji Matsumoto/Nissan R87E) – abandono
Carro nº 29 (Italya Sports/Anders Olofsson/Alain Ferté/Patrick Gonin/Nissan R86V) – abandono
Carro nº 32 (Nissan Motorsport/Masahiro Hasemi/Takao Wada/Aguri Suzuki/Nissan R87E) – abandono
1988 (C1)
Carro nº 23 (Nissan Motorsports/Kazuyoshi Hoshino/Takao Wada/Aguri Suzuki/Nissan [March] R88C) – abandono
Carro nº 32 (Nissan Motorsports/Allan Grice/Mike Wilds/Win Percy/Nissan [March] R88C) – 14º
1989 (C1)
Carro nº 23 (Nissan Motorsports/Masahiro Hasemi/Kazuyoshi Hoshino/Toshio Suzuki/Nissan R89C) – abandono
Carro nº 24 (Nissan Motorsports/Julain Bailey/Mark Blundell/Martin Donnelly/Nissan R89C) – abandono
Carro nº 25 (Nissan Motorsports/Geoff Brabham/Chip Robinson/Arie Luyendyk/Nissan R89C) – abandono
1990 (C1)
Carro nº 23 (Nissan Motorsports International/Masahiro Hasemi/Kazuyoshi Hoshino/Toshio Suzuki/Nissan R90CP) – 5º
Carro nº 24 (Nissan Motorsports International/Mark Blundell/Julian Bailey/Gianfranco Brancatelli/Nissan R90CK) – abandono
Carro nº 25 (Nissan Motorsports International/Kenny Acheson/Martin Donnelly/Olivier Grouillard/Nissan R90CK) – abandono
Carro nº 82 (Courage Compétition/Hervé Regout/Alain Cudini/Costas Los/Nissan R89C) – 21º
Carro nº 83 (Nissan Performance Technology, Inc./Geoff Brabham/Chip Robinson/Derek Daly/Nissan Nissan R90CK) – abandono
Carro nº 84 (Nissan Performance Technology Inc./Steve Millen/Michael Roe/Bob Earl/Nissan R90CK) – 17º
Carro nº 85 (Team Le Mans/Takao Wada/Anders Olofsson/Maurizio Sandro-Sala/Nissan R89C) – abandono
1994 (IMSA/GTP)
Carro nº 75 (Clayton Cunningham Racing/Steve Millen/Johnny O’Connell/John Morton/Nissan 300 ZX Turbo) – 5º (1º IMSA/GTP)
Carro nº 76 (Clayton Cunningham Racing/Eric van de Poele/Paul Gentilozzi/Shunji Kasuya/Nissan 300 ZX Turbo) – abandono
1995 (GT1)
Carro nº 22 (NISMO/Hideo Fukuyama/Masahiko Kondo/Shunji Kasuya/Nissan Skyline GT-R LM) – 10º
Carro nº 23 (NISMO/Kazuyoshi Hoshino/Toshio Suzuki/Masahiko Kageyama/Nissan Skyline GT-R LM) – abandono
1996 (GT1)
Carro nº 22 (NISMO/Aguri Suzuki/Masahiko Kageyama/Masahiko Kondo/Nissan Skyline GT-R LM) – abandono
Carro nº 23 (NISMO/Kazuyoshi Hoshino/Masahiro Hasemi/Toshio Suzuki/Nissan Skyline GT-R LM) – 15º
1997 (GT1)
Carro nº 21 (Nissan Motorsport TWR/Martin Brundle/Jörg Müller/Wayne Taylor/Nissan R390 GT1) – abandono
Carro nº 22 (Nissan Motorsport TWR/Riccardo Patrese/Eric van de Poele/Aguri Suzuki/Nissan R390 GT1) – abandono
Carro nº 23 (Nissan Motorsport TWR/Kazuyoshi Hoshino/Érik Comas/Masahiko Kageyama/Nissan R390 GT1) – 12º
1998 (GT1)
Carro nº 30 (Nissan Motorsports TWR/John Nielsen/Michael Krumm/Franck Lagorce/Nissan R390 GT1) – 5º
Carro nº 31 (Nissan Motorsports TWR/Jan Lammers/Érik Comas/Andrea Montermini/Nissan R390 GT1) – 6º
Carro nº 32 (Nissan Motorsports TWR/Aguri Suzuki/Kazuyosshi Hoshino/Masahiko Kageyama/Nissan R390 GT1) – 3º
1999 (LMP)
Carro nº 22 (Nissan Motorsports/Michael Krumm/Satoshi Motoyama/Érik Comas/Nissan R391) – abandono
Carro nº 23 (Nissan Motorsports/Aguri Suzuki/Masami Kageyama/Eric van de Poele/Nissan R391) – abandono
Além desta abordagem, a Nissan investiu também no projeto DeltaWing, que originalmente era uma abordagem mais ou menos vanguardista à IndyCar e que foi recusada pela federação local, sendo depois adaptada para as 24 Horas de Le Mans – onde, em 2012, ocupou a famosa Garagem 56. O carro, desenhado por Ben Bowlby, tinha um pequeno motor Nissan 1.6 L turbo desenvolvido pela NISMO mas, para um investimento estimado em quatro milhões de libras, o retorno foi quase nulo e a Nissan desinteressou-se do projeto, que hoje corre nas pistas norte-americanas, com as especificações da categoria P1, no novo campeonato TUSCC, sendo assistido e preparado nas oficinas de Dan Panoz.
Então, a Nissan voltou-se para um projeto ainda mais ambicioso e ecologicamente agradável: o ZEOD, um carro de competição com zero por cento de emissões poluentes [‘Zero On Demand’, a explicação da grafia ZEOD]. Ocupando de novo a Garagem 56 em Le Mans e com Lucas Ordoñez, Wolfgang Reip e Satoshi Motoyama ao volante, o Nissan ZEOD RC aproveitou para estabelecer novos recordes: foi o primeiro carro a ultrapassar os 300 km/h apenas com propulsão elétrica e o primeiro carro a fazer uma volta completa a Le Mans também somente com o motor elétrico. O carro abandonou na primeira hora, devido a uma avaria técnica não especificada na bateria.